autor: Ayrtton Fonseca autor: Bárbara Tanaka autor: Giovana Anschau autor: João Basso

sábado, 23 de agosto de 2014

Subi.
Um, dois. O terceiro degrau não. Interditado, acidentado. Um monstro, cheio de tentáculos, criatura horrenda. Um poço que leva ao infinito. Não, um buraco negro.
Agora, transitável.
Mostro meu crachá, minha senha secreta, destinada aos mais valorosos espiões e combatentes daquele reino. O distintivo daquela polícia que mata quem não aceita as suas ideias. Não, nada disso. É só um cartão qualquer, que qualquer um tem.
O monstruoso veículo começa a andar. Os motores começam a trabalhar, incessantes, doentios, com seu sangue feito de óleo, suas veias de cadeias metálicas levando estruturas químicas cheias de carbono, hidrocarbonetos e o que mais se imaginar. Funcionando sem fim.
Grave.
O motorista louco, que canta desafinadamente com um riso no fundo de sua voz.
"Every living thing
pushed into the ring
fight it out
to wow the crowd"
É uma espécie de sigla secreta, uma senha para seus comparsas dizendo: hoje nós vamos ter bastante carne de monstros para nosso açougue.
Mentira.
Só mais um delírio.
Não, o delírio é a realidade, delírio é pensar que estamos vivendo com todas essas cores.
As curvas parecem o estômago de um titã.
Meio como se fosse Cronos com seus filhos.
A propaganda dizia "Venham para os braços do caridoso pai! Aqui tem calor e amor!".
Demônios vestidos de anjos espalhavam essa história.
A tão famosa Van da Felicidade.
Felicidade feita de pepsina satânica.
Mas quem disse que esse tal Satã existe?
Deus, então?
Esses caras aí são duas mentiras.
Deus mesmo somos nós.
Que montamos todas essas coisas.
Olhem essas florestas de concreto.
Mas, na realidade, ah, a realidade... Aquela realidade real, que não tem dados de computador?
Eu só consigo sentir a perda de equilíbrio.
Vendo as coisas passando tão rápido, girando, o reflexo dos espelhos.
A realidade, aquela realidade real, passando nos meus olhos. Lenta. Grave. Uma realidade que eu tento salvar. Uma realidade com menos de trinta e dois dentes.
Ah, tem uma luz ali.
Uma luz com cara de todas as suas paixões.
Que ora tem olhos puxados, ora com olhos engraçados, ora com os cabelos pretos, loiros, ruivos, vermelhos, azuis. Uma luz.
Um apêndice naquele aparelho digestivo.
Um apêndice bom. Que ama. Um universo paralelo naquela monstruosidade. Um lugar que precisa de outra senha para entrar. Não, dessa vez aquele cartão não serve. Precisa de outra chave, uma especial.
A capacidade de amar naquela hora.
Naquele minuto.
Ter vontade.
Coragem.
Capacidade de vencer o medo de tudo.
Ali.
Agora.
Essa luz brilha todo dia, em todo lugar.
Mas não vejo-a sempre.
Mas naquela hora, ali, brilhate, radiante, me ofusca. Me dá esperança.
Muda o sentido de todas as engrenagens de qualquer Hefesto.
Muda a maré contra a vontade de qualquer Poseidon.
Solta raios contra a vontade de qualquer Zeus.
Ah, se eu tivesse algum poder desses.
Não tenho nenhum não.
Mas acho que tem uma criação de borboletas na minha barriga.
Meus pés começam a se movimentar sem cessar, sem movimento certo, sem ritmo.
Sem padrão.
Tudo errado.
Minhas mãos começam a tamborilar pela presença de uma luz.
"Ah, o amor... Hahaha!"

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