autor: Ayrtton Fonseca autor: Bárbara Tanaka autor: Giovana Anschau autor: João Basso

sábado, 4 de outubro de 2014

Palavras cruzadas

Lá estava ela. Sentada na segunda carteira da quinta fileira da esquerda para a direita, ambiente altamente ventilado, iluminação com perfeito enquadramento. Rapazes tolos à sua volta, brisa fresca, distância focal do professor. Pode ser vista de qualquer ângulo da sala, mas nenhum lugar era melhor do que o meu. Vejo seus sapatinhos azul marinho, de veludo; circundam seus pés de maneira delicada e cinderelesca. Será que o segundo artelho é maior do que o primeiro? Será que ela já fez balé e seus dedos são tortos como os meus dentes? Não importa. Só não eram mais bonitos do que a meia branca sete oitavos, que escondem as pernas torneadas como se fossem local proibido. Ah, aquelas pernas... Local proibido seria se ali houvesse cinta-liga e uma dose de espasmos. Subo um pouco mais e deslizo pelas pregas daquela saia. Me vejo segurando o que há por baixo dela, enquanto me viro ao desabotoar por trás  a camisa branca para sentir os seios pequeninos e infantos se enrijecerem com o toque de uma mão cheia de calos e vertigens eróticas. O toque é cessado após trilhar caminhos perigosos, naturalistas; percorro suas costas pálidas bem no meio de um suspiro. Observo seus ombros a uma distância atômica de meus lábios. Toco as sardas e ecoa um arrepio como instrumento musical; a resposta doce de um Miss Dior Eau de Toilette provoca minhas entranhas em um gesto lúdico. Posiciono minhas mãos sobre seus ombros e os vejo relaxar diante da massagem dionisíaca – balança o cabelo castanho amarrado por um laço vermelho. O cacho que se forma no caminho da nuca não consegue ser preso pelo laço; beijo a pintinha no lado esquerdo do pescoço e ouço a risadinha penetrar na minha alma.

"Você não passa de um garoto."

Ela não se vira, tampouco se direciona aos meus olhos. O professor volta a sua atenção a mim, e eu não volto a fitá-lo – mas volto ao meu rabisco fracassado, com traços sujos de excesso de tinta azul, deturpando o corpo dela. Pego novamente a caneta e imito o desleixo das madeixas, ajeitadas pelas mãos delicadas. 

Não enxergo se as unhas estão feitas ou não. Haja amor para imaginá-las tocando o meu rosto, a barba mal feita, as espinhas engraçadas. Mas não sei. Ela não parece ser o tipo de garota que precisa dessas coisas.

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